BORBOLETA AMARELA
Parte II
Parte II
Eu ontem parei a minha crônica no meio da história da borboleta que vinha pela Rua Araújo Porto Alegre; parei no instante em que ela começava a navegar pelo oitão da Biblioteca Nacional.
Oitão, uma bonita palavra. Usa-se muito no Recife; lá todo mundo diz: oitão da igreja São José, no oitão do Teatro Santa Isabel... Aqui a gente diz: ao lado. Dá no mesmo, porém oito é mias bonito. Oitão, torreão.
Falei em torreão porque, no ângulo da Biblioteca, há uma coisa que deve ser o que se chama um torreão. A borboleta subiu um pouco por fora do torreão; por um instante acreditei que ela fosse voltar, mas continuou ao longo da parede. Em certo momento desceu até perto da minha cabeça, como se quisesse assegurar-se de que eu a seguia, como se me quisesse dizer: “estou aqui”.
Logo subiu novamente, foi subindo, até ficar em face de um leão... Sim, há uma cabeça de leão, alias há várias, cada uma com uma espécie de argola na boca, na Biblioteca. A pequenina borboleta amarela passou junto ao focinho da fera, aparentemente sem o menor susto. Minha intrépida, pequenina, vibrante borboleta amarela! pensei eu. Que fazes aqui sozinha, longe de tuas irmãs que talvez estejam agora mesmo adejando em bando álacre na beira de um regato, entre moitas amigas – e onde vais sobre o cimento e o asfalto, nessa hora em que já começa a escurecer, ó tola, ó tonta, ó querida pequena borboleta amarela! Vieste talvez de Goiás, escondida dentro de algum avião; saíste no Calabouço, olhaste pela primeira vez o mar, depois...
Mas um amigo me bateu nas costas, me perguntou “como vai, bichão, o que é que você esta vendo aí”. Levei um grande susto, e tive vergonha de dizer que estava olhando uma borboleta; ele poderia chegar em casa e dizer: “encontrei hoje o Rubem, na cidade, parece que estava caçando borboleta”.
Me lembrei de uma história de Lúcio Cardoso, que trabalhava na Agência Nacional: Um dia acordou cedo para ir trabalhar; não estava se sentindo muito bem. Chegou a se vestir, descer, andar um pouco junto da Lagoa, esperando condução, depois viu que não estava mesmo bem, resolveu voltar pra casa, telefonou para um colega, explicou que estava gripado, até chegara a se vestir para ir trabalhar, mas estava um dia feio, com um vento ruim, ficou com medo de piorar – e demorou um pouco no bate papo, falou do vento, você sabe (era o noroeste), que arrasta muita folha seca, com certeza mais tarde vai chover, etc., etc.
Quando o chefe de Lúcio perguntou por ele, o outro disse: “Ah o Lúcio não vem não. Ele telefonou, disse que até saiu de casa, mas no caminho encontrou uma folha seca, de maneira que não pode vir e voltou para casa”.
Foi a história que lembrei naquele instante. Tive – por que não confessar? – tive certa vergonha de minha borboleta amarela. Mas enquanto trocava algumas palavras com o amigo, procurando despachá-lo, eu ainda vigiava a minha borboleta. O amigo foi-se. Por um instante julguei, aflito, que tivesse perdido a borboleta de vista. Não. De maneira que vocês tenham paciência; na outra crônica, vai ter mais historia de borboleta.
Sei que não foi bem, no dia seguinte, mas o que vale é a intenção......
detalhe: o texto é de Rubem Braga.....
bjuz a todos
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